quarta-feira, 3 de março de 2010


Precariedade trabalhista mancha propaganda de condomínio em Campinas/SP

Data: 02/03/2010 / Fonte: Repórter Brasil


Campinas/SP - A propaganda do Primetown/Primeacqua, em Campinas/SP, realça um empreendimento imobiliário diferenciado que abriga um condomínio de apartamentos conjugado com um futuro conjunto comercial, rodeado por áreas verdes, repleto de estruturas de lazer e equipado com itens "ecológicos". Localizada no Jardim Von Zuben, próximo ao município vizinho de Valinhos (SP), o complexo é uma aposta das Organizações Sol Panamby, grupo empresarial do ex-governador de São Paulo (1987-1991), Orestes Quércia, um dos principais expoentes do PMDB paulista.


O Primeacqua faz parte do Primetown, classificado pelos responsáveis como "urbanville" - "bairro" formado por condomínios residenciais, ao lado de construções amplas voltadas à locação para comércio e serviços. De acordo com anúncios publicitários, o "bairro" ocupa mais de 500 mil m². Serão 60 mil m² dedicados ao lazer: lagos, ciclovias, três piscinas (todas aquecidas), uma praia, um bar "molhado", brinquedoteca, espaço mulher, espaço criança e salões de festas (infantil e adulto).


Levando-se em conta o valor de R$ 2,6 mil por m² utilizado pelos promotores do empreendimento, o preço do menor apartamento (61 m², com dois quartos) alcança mais ou menos R$ 160 mil. Seguindo a mesma proporção, o imóvel de três quartos (76 m²) chega a ser vendido por algo em torno de R$ 200 mil. Todos têm terraço com churrasqueira e duas vagas na garagem.


Os 128 apartamentos desta primeira fase estão sendo vendidos desde agosto de 2008 e têm previsão de entrega para junho de 2010. Só o conjunto comercial do Primetown deverá consumir R$ 200 milhões. A divulgação da obra enfatiza a utilização de materiais escolhidos em função da preocupação ambiental e medidas para evitar o desperdício de água.


Um outro aspecto relevante relacionado ao Primeacqua não deve, contudo, ter sido apresentado aos potenciais compradores dos apartamentos. Fiscalização da Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Campinas (SP) flagrou cerca 20 trabalhadores da construção civil com salários atrasados e alojados em instalações precárias, no último dia 19 de janeiro. Contratados pela construtora Enplan, eles chegavam a trabalhar mais de 10 horas por dia para levantar os primeiros apartamentos do condomínio.


Do total de 90 pessoas que trabalhavam na obra, 20 estavam em situação irregular, conta o auditor fiscal Mario Roberto Matallo, que fez parte da equipe de fiscalização. De acordo com o gerente do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em Campinas (SP), Sebastião Jesus da Silva, os empregados não recebiam salários completos. Desde quando foram contratados em novembro do ano passado, eles recebiam apenas pequenos adiantamentos.


No canteiro de obras, auditores de depararam com diversos casos de falta de proteção contra quedas que resultavam em "risco grave e iminente à vida do trabalhador". Havia um operador de retroescavadeira em atividade mesmo sem ter recebido treinamento*.


"Eram terceirizados, [submetidos à intermediação por aliciamento irregular do tipo] ´gato´ mesmo. E o empreiteiro não repassou parte do salário", completa o auditor Mario Matallo, que participou da fiscalização.


A denúncia à gerência do MTE foi feita pelo Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Campinas e Região. "Quem entrou em contato com a gente foi um vizinho da obra, a pedido dos trabalhadores", relata Francisco Aparecido da Silva, diretor do sindicato que acompanhou os auditores fiscais.


Segundo Francisco, o grupo que vivia em situação irregular não era de Campinas, mas de Peruíbe (SP), cidade do litoral paulista. Eles estavam divididos em dois alojamentos: o principal, com apenas dois quartos e um único banheiro, era alugado e comportava 14 pessoas.


"As condições de higiene eram precárias. Havia muito lixo espalhado e nem sinal de faxina. Além disso, cinco ou seis pessoas estavam dormindo no chão", completa o diretor sindical Francisco. Não havia endividamento por parte dos empregados e a alimentação era fornecida regularmente.


Os colchões em que dormiam, contudo, estavam em mau estado de conservação, de acordo com o auditor fiscal Mario, do MTE, que confirmou ter encontrado péssimas condições durante a ação.


O segundo alojamento comportava seis operários. A madeira que revestia a moradia improvisada era, nas palavras de Francisco, de "péssima qualidade".


Para completar, os locais que abrigavam os migrantes eram frequentemente alagados nos dias de chuva, que não foram poucos desde os últimos meses de 2009 até o início de 2010. O flagrante das condições irregulares de alojamento por parte justamente de uma empresa de construção civil (que deve conhecer e seguir as normas) chamou a atenção do gerente Sebastião.


Por conta das diversas irregularidades, a obra foi interditada. Foram emitidos autos de infração - como o que se refere ao descumprimento do Artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por prorrogação de jornada, pois os operários trabalhavam mais de 10 horas por dia.


As obras, complementa Mario Mattallo, foram liberadas dois dias depois, com a regularização do conjunto de irregularidades, inclusive a falta de pagamento. Ele declara que, quando chegou ao local, as reformas dos alojamentos já estavam em curso. "Os responsáveis estavam desmanchando o que estava mal feito. Com relação aos alagamentos, eles construíram uma barreira e uma vala para diminuir os problemas com as chuvas", pondera.


Dos 20 operários encontrados pelos auditores fiscais do trabalho, porém, apenas cinco ou seis continuam na obra, segundo informações do diretor do sindicato. Os outros retornaram para Peruíbe (SP).


Empresas

As Organizações Sol Panamby atuam em diversos segmentos como agronegócio, administração comercial e comunicação social.


O local escolhido para o Primetown já foi ocupado anteriormente pelo Shopping Jaraguá, da própria Sol Panamby. Inaugurado em 1998, o complexo tinha 50 lojas, agência bancária, praça de alimentação e duas salas de cinema.


A Enplan Empreendimentos Imobiliários, por sua vez, já atuou na urbanização da orla de Peruíbe (SP) e executou obras de infra-estrutura no Porto de Santos (SP) e projetos para a Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A (Embraer).


A construtora Enplan não respondeu aos contatos da reportagem. Já a Sol Panamby declarou que não se pronunciaria sobre o caso, pois os trabalhadores eram da Enplan e não eram contratados pelo grupo.

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