segunda-feira, 28 de dezembro de 2009


A vitória do pragmatismo

Núñez, em um dos hipermercados verdes do Walmart: "Não vamos mudar o mundo porque somos legais, mas porque essa é a estratégia mais inteligente"

empresa sustentável do ano

Como a subsidiária brasileira do Walmart se tornou um exemplo para a matriz ao perceber que o aquecimento global é uma ameaça à perpetuação do próprio negócio

Na primeira semana de outubro, um auditório da Fundação Getulio Vargas de São Paulo sediou um evento que seria impensável tempos atrás. Para discutir o avanço do agronegócio na Amazônia, foram convidados participantes que historicamente sempre tiveram posições antagônicas. De um lado estavam defensores do agronegócio, como Blairo Maggi, governador de Mato Grosso e um dos maiores produtores de soja do país, e empresários dos maiores frigoríficos brasileiros, como Marcos Molina, presidente do Marfrig, e José Batista Júnior, ex-presidente e conselheiro da JBS-Friboi, hoje a maior empresa de carne do planeta. Do outro, as principais lideranças de uma das ONGs mais temidas pelo setor privado -- o Greenpeace --, além de representantes de dezenas de outras entidades ambientalistas.

VEJA QUADRO: Por dentro de uma loja ecoeficiente

A despeito da rivalidade dos dois grupos, naquele dia não houve bate-boca. Surpreendentemente, os dois lados chegaram a um acordo. Em meio a discursos quentes, mas civilizados, os frigoríficos selaram com o Greenpeace o compromisso de seguir uma série de critérios mínimos para operar na Amazônia. O objetivo é colocar ordem na atividade pecuária, hoje considerada a maior responsável pelo desmatamento na região. Sentada na plateia da FGV estava a paulista Daniela Di Fiori, vice-presidente de sustentabilidade do Walmart, terceira maior rede de supermercados do país. Ela acompanhava a movimentação no palco com interesse redobrado -- e uma ponta de orgulho. Foi graças a um movimento encabeçado pelo Walmart meses atrás que aquele acordo seria finalmente fechado.

Tudo começou no dia 1o de junho, quando o Greenpeace divulgou para o mundo todo um documento intitulado A Farra do Boi na Amazônia. O extenso relatório, resultado de três anos de investigações, trata do papel da pecuária no desmatamento ilegal da região, revela como a atividade é muitas vezes financiada pelo próprio governo brasileiro -- por meio de entidades como o BNDES -- e mostra, em detalhes, seu vínculo direto com o produto final de mais de uma dezena de empresas globais, como Adidas, Nike, Kraft, Unilever, Carrefour e o próprio Walmart. Logo que o relatório veio à tona, o cubano Héctor Núñez, presidente da subsidiária brasileira do Walmart, e Daniela reagiram. "Eles nos procuraram para dizer que não queriam ser parte do problema e que fariam tudo para envolver todo o setor na causa", diz Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace no Brasil.

Desde então, o varejista se dedica a convencer os concorrentes a fazer pressão sobre os frigoríficos. Um dos resultados desse esforço foi o embargo, por cerca de 13 dias, dos maiores varejistas do país -- Carrefour, Pão de Açúcar e o próprio Walmart -- a qualquer carne proveniente do Pará, um dos focos da atividade ilegal. Além disso, hoje a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), da qual o Walmart é associado, está à frente de um programa para criar uma espécie de certificação para a carne bovina do país. O plano é que o tal selo, a ser lançado em meados de 2010, seja conquistado pelos frigoríficos depois de muitas auditorias e dê aos supermercados a certeza de que a carne fornecida por eles nada tem a ver com o desmatamento da Amazônia. "O Walmart conseguiu mobilizar o setor e fez com que esse movimento se desencadeasse num ritmo surpreendente", diz Furtado.

O protagonismo do Walmart nessa questão é um dos motivos que levaram o Guia EXAME de Sustentabilidade a elegê-lo, entre as 20 empresas-modelo, como a Empresa Sustentável do Ano. Hoje a empresa conta com iniciativas que vão da construção de lojas verdes a programas de conscientização de funcionários (veja quadro na pág. 40). Em 2008, a área de sustentabilidade da empresa investiu 17 milhões de reais -- outros aportes foram feitos também por outros departamentos, como comercial, construções e recursos humanos.

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