sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A reinvenção da luz


Lampião sem gás - Para não perder o romantismo, o vilarejo medieval de Torraca, na Itália, montou até antigas lamparinas com o moderno LED


A lâmpada incandescente se apaga depois de 130 anos, em um dos mais fascinantes movimentos de inovação tecnológica de nosso tempo

Peça a uma criança para desenhar uma lâmpada – 100% delas farão um globo bojudo com um filamento em seu interior, no traço simples sem firulas, tal como foi patenteado pelo americano Thomas Alva Edison, em 27 de janeiro de 1880, há exatos 130 anos. Poucos produtos na história da civilização atravessaram um século, o XX, de modo tão decisivo e com tão poucas alterações na forma original. O que mudou, basicamente, foi o fio metálico, que, aquecido, emana calor e luz (90% do primeiro e apenas 10% do segundo, num show de desperdício) – antes ele era feito de carbono e hoje é de tungstênio.

Depois de uma década de lenta agonia – nos anos 1990 surgiram as fluorescentes compactas, que duram oito vezes mais –, as lâmpadas incandescentes, ou elétricas, agora parecem apagar de vez. Em todo o mundo, as legislações as tiram de tetos e abajures. Na Austrália, já em 2010 as de 40 watts não poderão mais ser vendidas. Na União Europeia, uma norma deflagrou a contagem regressiva, a partir de setembro de 2009, que culminará em 2012. Nos Estados Unidos, o limite é 2013. No Brasil, um projeto de lei ainda tramita no Congresso, mas ele trabalha com o mesmo prazo americano. É o fim de uma era.

É o símbolo, do ponto de vista do ecodesign, de todas as mudanças cuja locomotiva é a preocupação com o aquecimento global. Mudou-se o traço a serviço da inovação tecnológica. Na velocidade da luz, as compactas fluorescentes também parecem fadadas a sumir. Serão substituídas pelo LED, o acrônimo de diodo emissor de luz, em inglês. Nessa tecnologia, um semicondutor semelhante ao usado nos microcomputadores, quando atravessado por energia, emite luminosidade. As lâmpadas de LED convertem até 40% da energia consumida em luz.

A redução no desperdício traz benefícios evidentes ao meio ambiente. Nos países onde a eletricidade é produzida a partir da queima de combustíveis fósseis, essa economia significa 11% dos gases do efeito estufa na atmosfera. Se a metade de toda a iluminação mundial fosse convertida à tecnologia LED até 2025, seria possível economizar 120 gigawatts de eletricidade. Isso reduziria as emissões de dióxido de carbono em 350 milhões de toneladas por ano. Nos Estados Unidos, equivaleria a tirar 7,5 milhões de carros das ruas.

A troca das lâmpadas, por seu efeito didático, sempre foi entendida muito mais com romantismo do que com ciência. Deu-se a virada, em novembro passado, com um estudo conduzido pela Osram, a empresa alemã de iluminação, que serviu de xeque-mate. A descoberta: ao longo de toda a vida de uma lâmpada de LED – da manufatura ao acender da luz –, a energia utilizada é um quinto da compacta fluorescente, a antecessora natural.

Sabia-se que o LED usa ínfima fração de eletricidade de uma lâmpada comum para produzir o mesmo montante de luz, mas havia uma dúvida: a fabricação e a distribuição, mais custosas, não poluiriam mais que as outras, indicando uma morte tecnológica prematura? Não. "Esse estudo entrega fatos onde antes havia apenas evidência emocional", diz Kaj den Daas, chefe executivo do departamento de iluminação da Philips nos Estados Unidos. Recentemente, a Philips lançou um modelo de LED prático, com o soquete igual ao dos bulbos de Edison e com luminosidade equivalente à incandescente de 60 watts. Deve chegar às lojas no fim de 2010.

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O desenho dessa peça da Philips (veja quadro acima) é um aceno aos saudosistas, aos que já lamentam a perda do agradável amarelo das lâmpadas antigas e têm saudade antecipada dos desenhos de nossos filhos. Na Alemanha, tida como guardiã do ambiente, cidadãos estocam as incandescentes antes da morte anunciada. Desde julho, houve crescimento de 600% nas vendas. Ao produzir uma peça parecida no formato com o globo de vidro do fim do século XIX, a Philips fechou um ciclo para abrir outro.

Mas, ressalve-se, tudo é questão de hábito – as lâmpadas de Edison também foram recebidas, na virada do século retrasado para o passado, como afronta aos lampiões de gás e a sua luzinha verde-azulada. E que tal unir a inovação com o passado, o futuro com a nostalgia? Foi o que fez a cidade de Torraca, na região da Campânia, na Itália, que atravessará o réveillon de 2009 para 2010 como a primeira do mundo totalmente iluminada por LED. Ela é pequena, tem 700 ruas e apenas 1200 moradores, mas já virou ícone de sustentabilidade na elegante mistura de ruelas medievais com iluminação do século XXI. Tem sido celebrada, preservadas as diferenças históricas, como o Viaduto Holborn, na Londres de 1882, cujos postes de eletricidade foram acionados por Thomas Alva Edison.

CONTAS NO CLARO
Eis os gastos estimados, ao longo de cinco anos, para uma casa com vinte pontos de luz e utilização média de dez lâmpadas acesas durante seis horas:

Incandescente
Investimento inicial com lâmpadas - R$ 36
Potência média de consumo das lâmpadas - 60 W
Consumo de energia - 6 480 kWh
Lâmpadas trocadas - 110
Gasto com energia - R$ 2 628
Gasto com lâmpadas - R$ 195
Total - R$ 2 859

Fluorescente
Investimento inicial com lâmpadas - R$ 700*
Potência média de consumo das lâmpadas - 18 W
Consumo de energia - 1 944 kWh
Lâmpadas trocadas - 14
Gasto com energia - R$ 778
Gasto com lâmpadas - R$ 140
Total - R$ 1 618

LED
Investimento inicial com lâmpadas - R$ 1 500
Potência média de consumo das lâmpadas - 8 W
Consumo de energia - 1 080 kWh
Lâmpadas trocadas - zero
Gasto com energia - R$ 345
Gasto com lâmpadas - zero
Total - R$ 1 845

* Inclui os reatores

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