Centrais defendem Fator Acidentario de Prevenção e Seguro Acidente
Fonte: CUT
As centrais CUT, CGTB, CTB, Força Sindical, NCST e UGT lançaram nota conjunta em defesa do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e do Seguro Acidente de Trabalho (SAT), medidas que têm sido alvo constante de ataques do empresariado reacionário, capitaneado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Na semana passada, a entidade empresarial chegou a exigir a revogação do Decreto nº 6957/2009, editado pelo Ministério da Previdência, que cria o FAP e reajusta o SAT.
A Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM/CUT) apoia a posição das centrais sindicais em defesa do FAP, por entender que trata-se de um avanço importante para a saúde e segurança dos trabalhadores brasileiros.
No documento, as centrais esclarecem que "o Fator Acidentário de Prevenção é um instrumento eficiente", pois "premia aquelas empresas que tiverem políticas efetivas de prevenção em saúde e segurança no trabalho diminuindo a alíquota do SAT em até 50%. E pune aquelas empresas que não o fazem, aumentando a alíquota".
"Nos posicionamos a favor do citado decreto, já que é um avanço no sentido de fortalecer a prevenção de acidentes e adoecimentos do trabalho", afirmam as centrais. A nota esclarece que em 2007 foram registrados 653,1 mil acidentes de trabalho, representando um aumento de 27,5% em relação a 2006.
"Morreram 2.804 trabalhadores (as) e 8.504 foram incapacitados permanentemente. Esses números da Previdência Social demonstram a extrema necessidade de uma política pública ofensiva para diminuí-los".
"A CNI ao se posicionar contra o decreto, na verdade, defende as empresas que adoecem, incapacitam, acidentam e matam trabalhadores. Empresas que jogam para toda a sociedade através da Previdência Social o custo da sua irresponsabilidade! Sem contar as vidas e famílias destruídas!".
As Centrais denunciam essa "irresponsabilidade para com a vida dos trabalhadores" e reafirmam sua luta em defesa de todos os instrumentos, "que efetivamente previnam o acidente e o adoecimento no trabalho".
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Fonte: CUT - 30/10/2009
Previdência registra redução de subnotificações de acidentes de trabalho
Três setores econômicos concentraram maior número de acidentes em 2008
Da Redação (Brasília) - A adoção do Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP) em abril de 2007 ajudou a combater a subnotificação do acidente de trabalho em 2008. No ano passado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registrou 747.663 acidentes de trabalho, número 13,4% maior que em 2007, quando foram notificados 659.523 acidentes. É o que mostra o Anuário Estatístico da Previdência Social 2008, lançado nesta quarta-feira (28) pelo ministro da Previdência Social, José Pimentel. Desde a adoção do NTEP e demais nexos de doenças profissionais e do trabalho, benefícios que antes eram registrados como não-acidentários passaram a ser identificados como acidentários, a partir da correlação entre as causas do afastamento e o setor de atividade do trabalhador segurado, independentemente da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) pelo empregador. A adoção dessa nova metodologia vem contribuindo para melhorar a compreensão da realidade dos acidentes de trabalho, pois é uma nova fonte de informação sobre a quantidade de acidentes de trabalho ocorridos no país. Em 2007, foram identificados 141.108 acidentes de trabalho sem CAT registrada, número que pulou para 202.395, em 2008, com crescimento de 43,8%. Esse resultado era esperado, porque em 2007 a nova metodologia do NTEP - e demais nexos - foi aplicada apenas em três trimestres, enquanto que em 2008 foi utilizada em todo o ano. Do total dos acidentes com CAT registrada, os acidentes típicos – decorrentes da atividade profissional – representam 80,4% (438.536) dos acidentes registrados. Os de trajeto, ocorridos entre a residência e o local de trabalho e vice-versa, respondem por 16,2% (88.156) e, as doenças do trabalho, por 3,4%, ou 18.576 registros. Acidentes liquidados – Em relação aos acidentes de trabalho liquidados – cujo processamento se dá no ano em que é concluído todo o processo – houve aumento de 28,6% na identificação de acidentes causadores de incapacidade permanente (de 9.389 para 12.071). Esse aumento é também resultado do combate à subnotificação do acidente de trabalho, desde a adoção do nexo técnico. Outro destaque é que o número de mortes diminuiu, passando de 2.845, em 2007, para 2.757 no ano passado. Ainda no capítulo dos acidentes de trabalho liquidados, a notificação pelo NTEP foi decisiva para o aumento de 23,3% no registro de acidentes responsáveis por afastamentos superiores a 15 dias, passando de 269.752, em 2007, para 332.725.
O contingente feminino chega a 14% do total de operários, um fato inédito
força feminina
A usina das 700 mulheres
Elas já desviaram o rio, agora furam pedras, explodem rochas, dirigem máquinas pesadas... Por três dias, CLAUDIA acompanhou a movimentação frenética das 700 mulheres que trabalham no canteiro da Hidrelétrica Santo Antônio, em Rondônia. Conheça as operárias responsáveis pela construção de uma das maiores obras de infra-estrutura do mundo, que produzirá energia para atender 11 milhões de residências
A terra tem um tom alaranjado e parece estar ardendo em brasa. O sol produz a sensação térmica de 40 graus, os borrachudos não dão trégua e o cenário é cortado por caminhões, retroescavadeiras, betoneiras, tratores e rolos compactadores. Efervescência é a melhor palavra para definir o canteiro de obras às margens do rio Madeira, em Porto Velho, a 100 quilômetros da Bolívia. As mulheres se espalham pela área de 2,7 mil hectares, onde está sendo erguida a Usina Hidrelétrica Santo Antônio, uma das maiores iniciativas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). As 700 operárias - 14% da mão de obra contratada - formam o primeiro grande contingente feminino a atuar em todas as frentes de trabalho de uma construção pesada, revezando-se nas 24 horas do dia. Antes delas, já havia mulheres no setor (138 mil no país), mas, em geral, não ultrapassavam 2% dos operários de um empreendimento. Além disso, trabalhavam no almoxarifado ou acabamento. Poucas realizavam as tarefas rudes e reconhecidamente masculinas.
Na Santo Antônio, elas estão presentes desde o primeiro momento, em setembro de 2008. Rapidamente se adaptaram às novas atividades - bem diferentes do que faziam como domésticas, vendedoras ambulantes, artesãs, manicures, donas de casa. Como foram parar ali? O grupo Norberto Odebrecht, majoritário no Consórcio Santo Antônio Civil, responsável pelo canteiro, precisava inverter uma praxe do mercado, que é utilizar 30% de mão de obra local e 70% de migrantes. "Porto Velho tem 5% do esgoto necessário, 12% de água tratada, criminalidade alta, deficiência na saúde e na educação. Trazer peões de fora só agravaria os problemas", diz Antônio Cardilli, gerente administrativo e financeiro da Odebrecht. Pesquisas preliminares mostraram que a capital não dispunha de pessoal treinado para as primeiras 4,8 mil vagas. A alternativa foi criar, com apoio dos governos estadual e municipal, um projeto (o Acreditar) que preparasse gente para a empreitada.
MULHERES BATEM À PORTA As inscrições foram abertas em 2006, em igrejas e associações de bairro. Num estado sem oferta de trabalho e com salário inicial médio na quinta pior posição nacional, as mulheres perguntaram se podiam participar. Os recrutadores tiveram dúvidas. Mas Cardilli, com o olho no EiaRima (documento que mede o impacto ambiental e social de uma edificação, indispensável para que ela tenha licença para ser realizada), arriscou: "Mandem vir as mulheres. Não há exigência de sexo ou escolaridade, o limite é físico". Quase tudo ali exige força ou resistência para suportar o sol, sob poeira e barulho por nove horas diárias.
As rondonenses corresponderam. "Até aqui, está funcionando bem", afirma Cardilli, para quem a iniciativa não representa uma ação social. Trata-se de negócio, mesmo." Mulheres significam menos acidente de trabalho, menor desperdício de recursos e maior produtividade, segundo Eunice Moraes, gerente de projetos de gênero e trabalho da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, autora de um programa de formação que tem sido oferecido a governos interessados em construir com mão de obra feminina.
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DINAMITEIRA Zyvane Leite Lira, 34 anos, técnica em mineração, não se incomoda quando a chamam de "mulher-bomba". Há 11 anos é especializada em desmonte de rochas com explosivo - foi a primeira brasileira a se tornar bláster", ou dinamiteira. Ela acabava de se mudar de Goiânia para Porto Velho com as filhas, Izadora, 5 anos, e Luiza, 2, e seu escritório ainda está instalado num contêiner no canteiro, onde representa a australiana Orica, a maior multinacional de explosivos.
O primeiro casamento, com um técnico de segurança que conheceu na Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, esgotou porque ela trabalhava demais. O segundo terminou com a ida para Rondônia. "Os homens ainda estranham a mulher que assume responsabilidade, que sai para jantares de negócios, viagens... Já decidi que vou seguir a vida sem eles", diz. Zyvane tem temperamento pertinaz: "Sou rigorosa e nada tolerante. Se um funcionário erra, demito, porque, na lida com explosivos, um acidente é fatal". Aprendeu a se impor aos 17 anos, no estágio em uma mina de ouro, de extração subterrânea. "Fiz tudo direitinho. Não fui contratada por ser mulher. "
Daí em diante, fechou o semblante e impôs respeito. Aos 20 já estava na Orica. "Os funcionários tinham dificuldade de aceitar o meu comando. Suspeitavam que, se as esposas soubessem que cumpriam ordens femininas, acabariam mandados em casa." Quem a vê andando rápido no terreno demarcado para a detonação, não crê que, na vida privada, Zyvane se diverte dançando tecno, aos sábados, com as amigas
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PERFURATRIZ, A SUPERESTRELA Fernanda Medeiros, 30 anos, solteira, opera uma perfuratriz hidráulica, que pesa 13,5 toneladas, e está sempre perto de taludes furando rochas. Se olhar para baixo, qualquer um sente vertigem. Fernanda não sente nada! A máquina imponente tem comandos eletrônicos, um bit na ponta de um cilindro que, com um impacto de 4 toneladas, abre buracos na rocha. É um sonho pilotar uma. Peões e engenheiros se referem a ela usando nome e sobrenome: Atlas Copco Roc 57007. Há duas no canteiro. Fernanda, flamenguista, louca por forró e Amado Batista, é a única mulher a dominá-las. Isso a torna importante. "Não fico em filas, os colegas abrem espaço para eu bater o ponto primeiro. Ouço quando dizem: ‘É a moça da perfuratriz’." A posição também lhe rende despeito. "Tem peão que acha que estou onde estou porque dormi com chefes." Ela não namora, mas tem "um ficante" e gasta as folgas "dormindo muito e pintando as unhas". Filha de uma ex-lavadeira "que criou seis filhas sem marido", Fernanda se sustenta desde menina, foi camelô, trabalhou em banca de revistas e na pequena empresa de um tio, que movimenta caçambas de entulhos. "Sou ligeira para aprender. Vi como ele dirigia o caminhão e fiz igual." A habilidade a credenciou para a perfuratriz e a fez saltar do holerite de 415 reais para os atuais 1 480. Está realizada por participar de uma obra que custará 14 bilhões de reais - o principal financiador é o BNDES (6,2 bilhões de reais), seguido dos acionistas Odebrecht, Andrade Gutierrez, Furnas Centrais Elétricas, Cemig e FIPAmazônia Energia.
NUVEM DE EXPLOSÃO Os buracos deixados por Fernanda, que chegou às 5h40 e saiu às 17h15, estarão preenchidos com explosivos até a madrugada. Quem executa a tarefa são os homens dirigidos pela goiana Zyvane Leite Lira Às 4h50, os furos estão interligados e recheados com uma emulsão gosmenta e clara, carregada de componentes de detonação. Às 5, com a área isolada, o estopim é aceso e a explosão ocorre deixando uma nuvem cinzenta. No pico da obra, em 2011, serão gastas 900 toneladas da emulsão por mês.
Erguer um paiol para os explosivos é a atividade de Ana Roberta Carvalho, 36 anos. Ela é meio-oficial de pedreiro e pretende abrir mão do Bolsa Família, que, nos últimos anos, garantiu a sua sobrevivência e a das duas filhas. "Pensei que fosse mais difícil aprender o serviço", conta ela. "Tudo o que eu sabia era bordar chinelos e panos de prato para vender na igreja."
Ana se considera craque o suficiente para fazer, sozinha, aos domingos, a própria casa: "Vai ter uma varanda, dois quartos e janelas de vidro". Além disso, está convicta de que não fica mais sem trabalho. A Hidrelétrica de Jirau, que começou a ser construída em junho a poucos quilômetros rio acima, também está contratando mulheres. As duas obras atraíram fornecedores (entre eles a fábrica de cimento Votorantim e a Alstom, produtora de equipamentos para energia e transporte) e, consequentemente, técnicos e executivos, o que impulsionou em 30% a construção de galpões fabris, casas, hotéis, lojas, postos de gasolina. Por todo lado se lê: "Precisa-se de pedreiro". Ainda estão previstas mais duas usinas (uma na divisa com a Bolívia), duas eclusas para a passagem de balsas e a reforma do antigo porto da cidade. O panorama enche de esperança as operárias e leva economistas a prever o crescimento do PIB do estado em 7% este ano.
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O TERCEIRO OLHO Depois da explosão, entra em campo a tropa que retira as pedras que vão virar brita. O papel de Marta Santos, 23 anos, é fundamental nessa hora. Ela é a sinaleira - o terceiro olho do operador, no jargão da obra. Com gestos, Marta controla o fluxo de máquinas pesadas no ponto mais fundo de uma grande cava, de 35 metros de profundidade e 150 de diâmetro. "Se ela errar um sinal, pode ocasionar colisão de tratores ou atropelamentos", explica o líder de escavações José Sobrinho.
A operária usa tampões auriculares e luvas antiderrapantes para recolher as pedras que rolam na sua direção. "O sol é o que mais castiga", diz ela, com muito protetor solar no rosto. Separada, é mãe de Maria Letícia, 6 anos, fruto da relação com um rapaz que se tornou chefe de tráfico de drogas. A proximidade das fronteiras por onde entram 70% da cocaína consumida no país arrasta muitos jovens para o mundo do crime. Na obra, Marta recebeu a notícia de que o ex havia sido assassinado. Quase 100% das operárias trabalham com um celular no bolso. "Por ele fico sabendo da vida lá fora", afirma. "Mas com limites, porque obras têm regras."
Com o segundo parceiro - um servente de pedreiro que gastava o dinheiro com mulheres e bebidas, de quem Marta se separou há um ano -, teve o segundo filho. O principal investimento dessa morena bonita, com feições de índia é na autoescola: "Com carteira de habilitação, vou tentar dirigir uma retroescavadeira". Marta repete três vezes "retroescavadeira" - o barulho das 12 máquinas encobria a sua fala suave.
Parte do salário de 780 reais, ela gasta com "luxo pessoal". Afinal, cabelos na poeira precisam de cremes. A carteira de trabalho, agora assinada, lhe permitiu comprar a prazo. "Uma cama de casal era meu velho desejo", revela. Móveis e eletrodomésticos ocupam o primeiro lugar na cobiça das operárias. Elas e o pessoal envolvido nas obras inflaram as vendas do comércio em 35%. O lado B da história dessas mulheres é a cota de horas trabalhadas, incluindo sábados e plantões aos domingos. "Tem dia que tenho vontade de abandonar tudo e correr para casa." Em geral, isso ocorre quando uma das crianças adoece.
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COCHILO NAS TENDAS Hora do almoço. Laudeci Braz, 35 anos, solteira, precisa vencer a grande fila que leva os operários famintos à bandeja. Salada, arroz, um feijão cheiroso, farofa, frango assado, carne cozida, suco e gelatina verde formam o cardápio. Na pausa de uma hora, sobra um tempinho para o dominó - os homens jogam mais que elas - ou um cochilo na cadeira sob tendas de plástico.
O local de trabalho de Laudeci foi limpo pelo time de terraplenagem de Marta Santos, dias antes, e agora recebe fundações de concreto. Ali funcionará uma das casas de máquinas. Ao todo, haverá três com um total de 44 turbinas bulbo, consideradas um avanço tecnológico capaz de gerar energia com baixa queda de água (uma cachoeira de 13,9 metros) para um reservatório de 200 quilômetros quadrados. Ele será seis vezes menor que o das usinas movidas por turbinas convencionais e representará menos prejuízos para a fauna e a flora. Além disso, Santo Antônio tornará a Região Norte menos dependente das termelétricas de lá, que consomem óleo diesel e poluem mais do que o trânsito de São Paulo.
MULTA POR MATAR PEIXES Mesmo assim, em dezembro de 2008, o Ibama multou os construtores. Para secar parte do rio - onde entraram as máquinas -, dourados, jaús, surubins, tambaquis e tucunarés foram remanejados para outro ponto do Madeira, um caudaloso afluente do Amazonas que nasce na cordilheira dos Andes. A operação poupou 85 toneladas, mas no final, quando a água já estava rasa e com menos oxigênio, morreram 11 toneladas. Muitas das 700 operárias só conheciam o rio como área de piquenique. Aos domingos, elas se divertiam ali com a família e voltavam com o isopor cheio de peixes para o consumo da semana. Por causa dos alagamentos, algumas pequenas ilhas, sítios e praias desapareceram na região das usinas, onde a população ribeirinha, que sobrevivia da pesca, já foi retirada.
De costas, a mineira Laudeci parece um rapaz, com movimentos certeiros no martelo. Ela faz formas para receber cimento. Quando se vira para a câmera fotográfica, revela o rosto de traços delicados. Está há dois meses na obra, como ajudante de carpintaria. "Mas o encarregado já me avisou, vou passar a carpinteira."
A rapidez com que os fatos se sucedem no canteiro é o que mais surpreende essa ex-doméstica, mãe de uma menina de 6 anos. Os números também impressionam: o cimento empregado na Santo Antônio seria suficiente para erguer 37 estádios do Maracanã, e as 138 mil toneladas de ferro dariam para moldar 18 torres Eiffel. Quando estiver produzindo energia a plena carga, em 2015, a usina atenderá o correspondente a 11 milhões de casas - ou cinco vezes o consumo da capital paulista. No sistema nacional de energia, Santo Antônio ocupará o terceiro lugar, oferecendo 3150 megawatts, atrás das usinas de Itaipu, na fronteira com o Paraguai, e Tucuruí, no Pará. Laudeci não consegue ver direito a importância do negócio do qual participa. Saindo dali, seguirá à noite para o seu curso de auxiliar de enfermagem.
[img5] SOLDADORA, COM ORGULHO Vestida numa armadura, a ex-cabeleireira Maria Helena Corrêa de Sá, 43 anos, cinco filhos e dois netos, foi uma das primeiras a chegar ao canteiro no ano passado. Na classe em que aprendeu a soldar, havia 35 homens e ela. O marido, o serralheiro Lucas Mendes, fez vários cursos do Acreditar, mas não foi contratado. Diferentemente da maioria, que se agarra à obra por apelo da sobrevivência, Maria Helena pensava na construção civil desde menina. "Sempre quis isso para mim. É um desafio estar num lugar onde só homens frequentavam", diz, articulada, às 21 horas, já em casa, no bairro de São Francisco, na periferia da capital. "Quer saber mais? Os homens ainda rejeitam as mulheres lá na obra", diz. Lucas reforça o discurso: "Tem dia que ela chega brava com os colegas, que a insultam e xingam porque têm medo de perder a vez para ela".
UMA HISTÓRIA DE EXCLUSÃO A ex-cabeleireira virou estímulo para as vizinhas, quase todas desempregadas - a mão de obra rondoniense tem um histórico complicado, que sempre excluiu as mulheres, como mostra um estudo do economista Waldemar Camata. Um resumo: a exploração dos seringais teve impulso nos anos 1940 com os soldados da borracha", substituídos nos anos 1970 por 25 mil garimpeiros, forasteiros atraídos pelos minérios. Eles saíram na década seguinte deixando os rios poluídos.
Era a época da ditadura militar, que havia convocado agricultores de todo país para a nova fronteira agrícola", na verdade o sinal verde para o desmatamento responsável por 32% da devastação do estado e pelo caos fundiário, com poucas terras registradas legalmente. Posseiros e grileiros se instalaram, vieram as madeireiras (a maioria irregular) para usar as árvores derrubadas e tombar mais. Nos anos 1990, a política mudou, o desmatamento foi condenado e o reflorestamento incentivado. Cresceu a pecuária (novamente uma atividade masculina), forte até hoje, com 11 milhões de cabeças de gado. Com uma área industrial ainda pequena, trabalhar onde? Sobraram para as mulheres a informalidade e o desemprego.
Agora, a construção civil aponta um caminho novo (e duro!), que traz orgulho para quem se aventura nele, como Maria Helena: "Vou contar para os meus netos que desatolei tratores, desviei o rio e ainda colocarei para funcionar uma das maiores usinas do mundo".
Elas já desviaram o rio, agora furam pedras, explodem rochas, dirigem máquinas pesadas... Por três dias, CLAUDIA acompanhou a movimentação frenética das 700 mulheres que trabalham no canteiro da Hidrelétrica Santo Antônio, em Rondônia. Conheça as operárias responsáveis pela construção de uma das maiores obras de infra-estrutura do mundo, que produzirá energia para atender 11 milhões de residências
A terra tem um tom alaranjado e parece estar ardendo em brasa. O sol produz a sensação térmica de 40 graus, os borrachudos não dão trégua e o cenário é cortado por caminhões, retroescavadeiras, betoneiras, tratores e rolos compactadores. Efervescência é a melhor palavra para definir o canteiro de obras às margens do rio Madeira, em Porto Velho, a 100 quilômetros da Bolívia. As mulheres se espalham pela área de 2,7 mil hectares, onde está sendo erguida a Usina Hidrelétrica Santo Antônio, uma das maiores iniciativas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). As 700 operárias - 14% da mão de obra contratada - formam o primeiro grande contingente feminino a atuar em todas as frentes de trabalho de uma construção pesada, revezando-se nas 24 horas do dia. Antes delas, já havia mulheres no setor (138 mil no país), mas, em geral, não ultrapassavam 2% dos operários de um empreendimento. Além disso, trabalhavam no almoxarifado ou acabamento. Poucas realizavam as tarefas rudes e reconhecidamente masculinas.
Na Santo Antônio, elas estão presentes desde o primeiro momento, em setembro de 2008. Rapidamente se adaptaram às novas atividades - bem diferentes do que faziam como domésticas, vendedoras ambulantes, artesãs, manicures, donas de casa. Como foram parar ali? O grupo Norberto Odebrecht, majoritário no Consórcio Santo Antônio Civil, responsável pelo canteiro, precisava inverter uma praxe do mercado, que é utilizar 30% de mão de obra local e 70% de migrantes. "Porto Velho tem 5% do esgoto necessário, 12% de água tratada, criminalidade alta, deficiência na saúde e na educação. Trazer peões de fora só agravaria os problemas", diz Antônio Cardilli, gerente administrativo e financeiro da Odebrecht. Pesquisas preliminares mostraram que a capital não dispunha de pessoal treinado para as primeiras 4,8 mil vagas. A alternativa foi criar, com apoio dos governos estadual e municipal, um projeto (o Acreditar) que preparasse gente para a empreitada.
MULHERES BATEM À PORTA As inscrições foram abertas em 2006, em igrejas e associações de bairro. Num estado sem oferta de trabalho e com salário inicial médio na quinta pior posição nacional, as mulheres perguntaram se podiam participar. Os recrutadores tiveram dúvidas. Mas Cardilli, com o olho no EiaRima (documento que mede o impacto ambiental e social de uma edificação, indispensável para que ela tenha licença para ser realizada), arriscou: "Mandem vir as mulheres. Não há exigência de sexo ou escolaridade, o limite é físico". Quase tudo ali exige força ou resistência para suportar o sol, sob poeira e barulho por nove horas diárias.
As rondonenses corresponderam. "Até aqui, está funcionando bem", afirma Cardilli, para quem a iniciativa não representa uma ação social. Trata-se de negócio, mesmo." Mulheres significam menos acidente de trabalho, menor desperdício de recursos e maior produtividade, segundo Eunice Moraes, gerente de projetos de gênero e trabalho da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, autora de um programa de formação que tem sido oferecido a governos interessados em construir com mão de obra feminina.
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DINAMITEIRA Zyvane Leite Lira, 34 anos, técnica em mineração, não se incomoda quando a chamam de "mulher-bomba". Há 11 anos é especializada em desmonte de rochas com explosivo - foi a primeira brasileira a se tornar bláster", ou dinamiteira. Ela acabava de se mudar de Goiânia para Porto Velho com as filhas, Izadora, 5 anos, e Luiza, 2, e seu escritório ainda está instalado num contêiner no canteiro, onde representa a australiana Orica, a maior multinacional de explosivos.
O primeiro casamento, com um técnico de segurança que conheceu na Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, esgotou porque ela trabalhava demais. O segundo terminou com a ida para Rondônia. "Os homens ainda estranham a mulher que assume responsabilidade, que sai para jantares de negócios, viagens... Já decidi que vou seguir a vida sem eles", diz. Zyvane tem temperamento pertinaz: "Sou rigorosa e nada tolerante. Se um funcionário erra, demito, porque, na lida com explosivos, um acidente é fatal". Aprendeu a se impor aos 17 anos, no estágio em uma mina de ouro, de extração subterrânea. "Fiz tudo direitinho. Não fui contratada por ser mulher. "
Daí em diante, fechou o semblante e impôs respeito. Aos 20 já estava na Orica. "Os funcionários tinham dificuldade de aceitar o meu comando. Suspeitavam que, se as esposas soubessem que cumpriam ordens femininas, acabariam mandados em casa." Quem a vê andando rápido no terreno demarcado para a detonação, não crê que, na vida privada, Zyvane se diverte dançando tecno, aos sábados, com as amigas
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PERFURATRIZ, A SUPERESTRELA Fernanda Medeiros, 30 anos, solteira, opera uma perfuratriz hidráulica, que pesa 13,5 toneladas, e está sempre perto de taludes furando rochas. Se olhar para baixo, qualquer um sente vertigem. Fernanda não sente nada! A máquina imponente tem comandos eletrônicos, um bit na ponta de um cilindro que, com um impacto de 4 toneladas, abre buracos na rocha. É um sonho pilotar uma. Peões e engenheiros se referem a ela usando nome e sobrenome: Atlas Copco Roc 57007. Há duas no canteiro. Fernanda, flamenguista, louca por forró e Amado Batista, é a única mulher a dominá-las. Isso a torna importante. "Não fico em filas, os colegas abrem espaço para eu bater o ponto primeiro. Ouço quando dizem: ‘É a moça da perfuratriz’." A posição também lhe rende despeito. "Tem peão que acha que estou onde estou porque dormi com chefes." Ela não namora, mas tem "um ficante" e gasta as folgas "dormindo muito e pintando as unhas". Filha de uma ex-lavadeira "que criou seis filhas sem marido", Fernanda se sustenta desde menina, foi camelô, trabalhou em banca de revistas e na pequena empresa de um tio, que movimenta caçambas de entulhos. "Sou ligeira para aprender. Vi como ele dirigia o caminhão e fiz igual." A habilidade a credenciou para a perfuratriz e a fez saltar do holerite de 415 reais para os atuais 1 480. Está realizada por participar de uma obra que custará 14 bilhões de reais - o principal financiador é o BNDES (6,2 bilhões de reais), seguido dos acionistas Odebrecht, Andrade Gutierrez, Furnas Centrais Elétricas, Cemig e FIPAmazônia Energia.
NUVEM DE EXPLOSÃO Os buracos deixados por Fernanda, que chegou às 5h40 e saiu às 17h15, estarão preenchidos com explosivos até a madrugada. Quem executa a tarefa são os homens dirigidos pela goiana Zyvane Leite Lira Às 4h50, os furos estão interligados e recheados com uma emulsão gosmenta e clara, carregada de componentes de detonação. Às 5, com a área isolada, o estopim é aceso e a explosão ocorre deixando uma nuvem cinzenta. No pico da obra, em 2011, serão gastas 900 toneladas da emulsão por mês.
Erguer um paiol para os explosivos é a atividade de Ana Roberta Carvalho, 36 anos. Ela é meio-oficial de pedreiro e pretende abrir mão do Bolsa Família, que, nos últimos anos, garantiu a sua sobrevivência e a das duas filhas. "Pensei que fosse mais difícil aprender o serviço", conta ela. "Tudo o que eu sabia era bordar chinelos e panos de prato para vender na igreja."
Ana se considera craque o suficiente para fazer, sozinha, aos domingos, a própria casa: "Vai ter uma varanda, dois quartos e janelas de vidro". Além disso, está convicta de que não fica mais sem trabalho. A Hidrelétrica de Jirau, que começou a ser construída em junho a poucos quilômetros rio acima, também está contratando mulheres. As duas obras atraíram fornecedores (entre eles a fábrica de cimento Votorantim e a Alstom, produtora de equipamentos para energia e transporte) e, consequentemente, técnicos e executivos, o que impulsionou em 30% a construção de galpões fabris, casas, hotéis, lojas, postos de gasolina. Por todo lado se lê: "Precisa-se de pedreiro". Ainda estão previstas mais duas usinas (uma na divisa com a Bolívia), duas eclusas para a passagem de balsas e a reforma do antigo porto da cidade. O panorama enche de esperança as operárias e leva economistas a prever o crescimento do PIB do estado em 7% este ano.
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O TERCEIRO OLHO Depois da explosão, entra em campo a tropa que retira as pedras que vão virar brita. O papel de Marta Santos, 23 anos, é fundamental nessa hora. Ela é a sinaleira - o terceiro olho do operador, no jargão da obra. Com gestos, Marta controla o fluxo de máquinas pesadas no ponto mais fundo de uma grande cava, de 35 metros de profundidade e 150 de diâmetro. "Se ela errar um sinal, pode ocasionar colisão de tratores ou atropelamentos", explica o líder de escavações José Sobrinho.
A operária usa tampões auriculares e luvas antiderrapantes para recolher as pedras que rolam na sua direção. "O sol é o que mais castiga", diz ela, com muito protetor solar no rosto. Separada, é mãe de Maria Letícia, 6 anos, fruto da relação com um rapaz que se tornou chefe de tráfico de drogas. A proximidade das fronteiras por onde entram 70% da cocaína consumida no país arrasta muitos jovens para o mundo do crime. Na obra, Marta recebeu a notícia de que o ex havia sido assassinado. Quase 100% das operárias trabalham com um celular no bolso. "Por ele fico sabendo da vida lá fora", afirma. "Mas com limites, porque obras têm regras."
Com o segundo parceiro - um servente de pedreiro que gastava o dinheiro com mulheres e bebidas, de quem Marta se separou há um ano -, teve o segundo filho. O principal investimento dessa morena bonita, com feições de índia é na autoescola: "Com carteira de habilitação, vou tentar dirigir uma retroescavadeira". Marta repete três vezes "retroescavadeira" - o barulho das 12 máquinas encobria a sua fala suave.
Parte do salário de 780 reais, ela gasta com "luxo pessoal". Afinal, cabelos na poeira precisam de cremes. A carteira de trabalho, agora assinada, lhe permitiu comprar a prazo. "Uma cama de casal era meu velho desejo", revela. Móveis e eletrodomésticos ocupam o primeiro lugar na cobiça das operárias. Elas e o pessoal envolvido nas obras inflaram as vendas do comércio em 35%. O lado B da história dessas mulheres é a cota de horas trabalhadas, incluindo sábados e plantões aos domingos. "Tem dia que tenho vontade de abandonar tudo e correr para casa." Em geral, isso ocorre quando uma das crianças adoece.
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COCHILO NAS TENDAS Hora do almoço. Laudeci Braz, 35 anos, solteira, precisa vencer a grande fila que leva os operários famintos à bandeja. Salada, arroz, um feijão cheiroso, farofa, frango assado, carne cozida, suco e gelatina verde formam o cardápio. Na pausa de uma hora, sobra um tempinho para o dominó - os homens jogam mais que elas - ou um cochilo na cadeira sob tendas de plástico.
O local de trabalho de Laudeci foi limpo pelo time de terraplenagem de Marta Santos, dias antes, e agora recebe fundações de concreto. Ali funcionará uma das casas de máquinas. Ao todo, haverá três com um total de 44 turbinas bulbo, consideradas um avanço tecnológico capaz de gerar energia com baixa queda de água (uma cachoeira de 13,9 metros) para um reservatório de 200 quilômetros quadrados. Ele será seis vezes menor que o das usinas movidas por turbinas convencionais e representará menos prejuízos para a fauna e a flora. Além disso, Santo Antônio tornará a Região Norte menos dependente das termelétricas de lá, que consomem óleo diesel e poluem mais do que o trânsito de São Paulo.
MULTA POR MATAR PEIXES Mesmo assim, em dezembro de 2008, o Ibama multou os construtores. Para secar parte do rio - onde entraram as máquinas -, dourados, jaús, surubins, tambaquis e tucunarés foram remanejados para outro ponto do Madeira, um caudaloso afluente do Amazonas que nasce na cordilheira dos Andes. A operação poupou 85 toneladas, mas no final, quando a água já estava rasa e com menos oxigênio, morreram 11 toneladas. Muitas das 700 operárias só conheciam o rio como área de piquenique. Aos domingos, elas se divertiam ali com a família e voltavam com o isopor cheio de peixes para o consumo da semana. Por causa dos alagamentos, algumas pequenas ilhas, sítios e praias desapareceram na região das usinas, onde a população ribeirinha, que sobrevivia da pesca, já foi retirada.
De costas, a mineira Laudeci parece um rapaz, com movimentos certeiros no martelo. Ela faz formas para receber cimento. Quando se vira para a câmera fotográfica, revela o rosto de traços delicados. Está há dois meses na obra, como ajudante de carpintaria. "Mas o encarregado já me avisou, vou passar a carpinteira."
A rapidez com que os fatos se sucedem no canteiro é o que mais surpreende essa ex-doméstica, mãe de uma menina de 6 anos. Os números também impressionam: o cimento empregado na Santo Antônio seria suficiente para erguer 37 estádios do Maracanã, e as 138 mil toneladas de ferro dariam para moldar 18 torres Eiffel. Quando estiver produzindo energia a plena carga, em 2015, a usina atenderá o correspondente a 11 milhões de casas - ou cinco vezes o consumo da capital paulista. No sistema nacional de energia, Santo Antônio ocupará o terceiro lugar, oferecendo 3150 megawatts, atrás das usinas de Itaipu, na fronteira com o Paraguai, e Tucuruí, no Pará. Laudeci não consegue ver direito a importância do negócio do qual participa. Saindo dali, seguirá à noite para o seu curso de auxiliar de enfermagem.
[img5] SOLDADORA, COM ORGULHO Vestida numa armadura, a ex-cabeleireira Maria Helena Corrêa de Sá, 43 anos, cinco filhos e dois netos, foi uma das primeiras a chegar ao canteiro no ano passado. Na classe em que aprendeu a soldar, havia 35 homens e ela. O marido, o serralheiro Lucas Mendes, fez vários cursos do Acreditar, mas não foi contratado. Diferentemente da maioria, que se agarra à obra por apelo da sobrevivência, Maria Helena pensava na construção civil desde menina. "Sempre quis isso para mim. É um desafio estar num lugar onde só homens frequentavam", diz, articulada, às 21 horas, já em casa, no bairro de São Francisco, na periferia da capital. "Quer saber mais? Os homens ainda rejeitam as mulheres lá na obra", diz. Lucas reforça o discurso: "Tem dia que ela chega brava com os colegas, que a insultam e xingam porque têm medo de perder a vez para ela".
UMA HISTÓRIA DE EXCLUSÃO A ex-cabeleireira virou estímulo para as vizinhas, quase todas desempregadas - a mão de obra rondoniense tem um histórico complicado, que sempre excluiu as mulheres, como mostra um estudo do economista Waldemar Camata. Um resumo: a exploração dos seringais teve impulso nos anos 1940 com os soldados da borracha", substituídos nos anos 1970 por 25 mil garimpeiros, forasteiros atraídos pelos minérios. Eles saíram na década seguinte deixando os rios poluídos.
Era a época da ditadura militar, que havia convocado agricultores de todo país para a nova fronteira agrícola", na verdade o sinal verde para o desmatamento responsável por 32% da devastação do estado e pelo caos fundiário, com poucas terras registradas legalmente. Posseiros e grileiros se instalaram, vieram as madeireiras (a maioria irregular) para usar as árvores derrubadas e tombar mais. Nos anos 1990, a política mudou, o desmatamento foi condenado e o reflorestamento incentivado. Cresceu a pecuária (novamente uma atividade masculina), forte até hoje, com 11 milhões de cabeças de gado. Com uma área industrial ainda pequena, trabalhar onde? Sobraram para as mulheres a informalidade e o desemprego.
Agora, a construção civil aponta um caminho novo (e duro!), que traz orgulho para quem se aventura nele, como Maria Helena: "Vou contar para os meus netos que desatolei tratores, desviei o rio e ainda colocarei para funcionar uma das maiores usinas do mundo".
A terra tem um tom alaranjado e parece estar ardendo em brasa. O sol produz a sensação térmica de 40 graus, os borrachudos não dão trégua e o cenário é cortado por caminhões, retroescavadeiras, betoneiras, tratores e rolos compactadores. Efervescência é a melhor palavra para definir o canteiro de obras às margens do rio Madeira, em Porto Velho, a 100 quilômetros da Bolívia. As mulheres se espalham pela área de 2,7 mil hectares, onde está sendo erguida a Usina Hidrelétrica Santo Antônio, uma das maiores iniciativas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). As 700 operárias - 14% da mão de obra contratada - formam o primeiro grande contingente feminino a atuar em todas as frentes de trabalho de uma construção pesada, revezando-se nas 24 horas do dia. Antes delas, já havia mulheres no setor (138 mil no país), mas, em geral, não ultrapassavam 2% dos operários de um empreendimento. Além disso, trabalhavam no almoxarifado ou acabamento. Poucas realizavam as tarefas rudes e reconhecidamente masculinas.
Na Santo Antônio, elas estão presentes desde o primeiro momento, em setembro de 2008. Rapidamente se adaptaram às novas atividades - bem diferentes do que faziam como domésticas, vendedoras ambulantes, artesãs, manicures, donas de casa. Como foram parar ali? O grupo Norberto Odebrecht, majoritário no Consórcio Santo Antônio Civil, responsável pelo canteiro, precisava inverter uma praxe do mercado, que é utilizar 30% de mão de obra local e 70% de migrantes. "Porto Velho tem 5% do esgoto necessário, 12% de água tratada, criminalidade alta, deficiência na saúde e na educação. Trazer peões de fora só agravaria os problemas", diz Antônio Cardilli, gerente administrativo e financeiro da Odebrecht. Pesquisas preliminares mostraram que a capital não dispunha de pessoal treinado para as primeiras 4,8 mil vagas. A alternativa foi criar, com apoio dos governos estadual e municipal, um projeto (o Acreditar) que preparasse gente para a empreitada.
MULHERES BATEM À PORTA As inscrições foram abertas em 2006, em igrejas e associações de bairro. Num estado sem oferta de trabalho e com salário inicial médio na quinta pior posição nacional, as mulheres perguntaram se podiam participar. Os recrutadores tiveram dúvidas. Mas Cardilli, com o olho no EiaRima (documento que mede o impacto ambiental e social de uma edificação, indispensável para que ela tenha licença para ser realizada), arriscou: "Mandem vir as mulheres. Não há exigência de sexo ou escolaridade, o limite é físico". Quase tudo ali exige força ou resistência para suportar o sol, sob poeira e barulho por nove horas diárias.
As rondonenses corresponderam. "Até aqui, está funcionando bem", afirma Cardilli, para quem a iniciativa não representa uma ação social. Trata-se de negócio, mesmo." Mulheres significam menos acidente de trabalho, menor desperdício de recursos e maior produtividade, segundo Eunice Moraes, gerente de projetos de gênero e trabalho da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, autora de um programa de formação que tem sido oferecido a governos interessados em construir com mão de obra feminina.
Zyane Lira comanda a explosão das rochas
DINAMITEIRA Zyvane Leite Lira, 34 anos, técnica em mineração, não se incomoda quando a chamam de "mulher-bomba".